Hoje tentava ler um livro em casa, mas a cadela do vizinho perturbava tanto que resolvi pegar a bicicleta e fui até o emissário. Como não há árvores no local - acho que os iluminados que bolaram aquilo não gostam de árvores - sentei-me sob a obra da Tomie Ohtake, único local com sombra. Em cima, a obra, e, no subsolo um rio obrado. Algumas moças de Cubatão conversaram comigo e quiseram saber do emissário. Mostrei-lhes o amontoado de prédios visíveis na orla da praia explicando-lhes que, além daqueles, todos os prédios e imóveis da cidade têm ligação direta com o emissário, porque todos os detritos produzidos acabam passando sob o local onde estávamos. Também disse-lhes que, do jeito que continuam construindo tantos prédios enormes, há o risco de uma explosão de metano que poderá fazer com que a obra de Ohtake vá parar na África.
Elas riram e uma delas se queixou da falta de árvores. Lembrei de um disco do Vandré, produzido na época da ditadura. No verso, uma frase de Bertolt Brecht: "Nestes tempos em que falar de árvores é quase um crime, pois implica em silenciar aos que virão depois de mim". Talvez a frase explique as razões de certas figuras detestarem árvores. Vejam como a mente viaja...
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
sábado, 7 de novembro de 2009
A POESIA EM "TERRA EM TRANSE"
Certa vez fiquei emocionado ao ler matéria de Janio de Freitas elogiando a poesia em "Terra em Transe", de Glauber Rocha. Foi uma das coisas que mais me chamou à atenção ao ver o filme, que Maurice Legeard programara. Maurice também se impressionou muito, pois, além de tudo que Glauber inseriu no filme, de social e político, com todas as mazelas e nuances, ainda colocou na voz grave com estranha conotação trágica de Jardel Filho vários monólogos poéticos, como o já aqui publicado "Quando eu voltei para Eldorado..." demonstrando que a obra de Glauber não perde a atualidade. Outro grande jornalista com quem tive grande prazer em conversar foi Zuenir Ventura, e acabamos abordando também a poesia em "Terra em Transe", e é citada em seu excelente livro "1968 - O QUE FIZEMOS DE NÓS", no capítulo em que ele conversa com Heloísa Buarque de Hollanda. Ela cita frase do diálogo poético entre Paulo(Jardel Filho) e Sara (Glauce Rocha) num momento dramático do filme, que reproduzo abaixo, mostrando inclusive "os dias de trevas que vieram depois", citação que está também quase no final. Volto a lembrar que "Terra em Transe foi rodado em 1966/1967.
Paulo: - Mas eu recuso a certeza, a lógica, o equilíbrio! Eu prefiro a loucura de Porfírio Diáz!
Sara: - Assim é tão fácil...
Paulo: - Fácil... rompendo com tudo e com todos... sacrificando as mais fundas ambições...
Sara: - O que sabe você das ambições? Eu queria me casar, ter filhos, como qualquer outra mulher... eu fui lançada no coração do meu tempo. Eu lavantei nas praças meu primeiro cartaz. Eles vieram, fizeram fogo, amigos morreram... me prenderam... me deixaram muitos dias numa cela imunda... com ratos mortos... me deram choques elétricos, me seviciaram e me libertaram... com as marcas. E, mesmo assim, eu levei meu segundo, terceiro e sempre cartazes e panfletos e nunca por orgulho. Era uma coisa maior, em nome da lógica de meus sentimentos. E se foram as ambições normais de uma mulher normal. De que outra ambição posso falar que não seja de felicidade? Tendo pessoas solidárias e felizes?
Paulo: - A fome do absoluto...
Sara: - A fome...
Paulo: - Eu tenho esta fome! Vem comigo, Sara! Não fique como os fanáticos, à espera das coisas que não acontecem antes que nos acabemos! Vem comigo! A vida está acima das horas que vivemos! A vida é uma aventura...
Sara: - Você não entende... um homem não pode se dividir assim... a política e a poesia são demais para um só homem... eu gostaria que você ficasse conosco. Volte a escrever.
Paulo: - Não anuncio cantos de paz
Nem me interessam as flores do estilo (ao fundo, trecho suave
Como por dia mil notícias amargas de Villa-Lobos)
Que definem o mundo em que vivo.
Ah, Sara... (beija-a)
Sara: - Não me causam os crepúsculos
A mesma dor da adolescência
Devolvo tranquila à paisagem
Os vômitos da experiência...
Paulo: - A poesia não tem sentido... palavras... as palavras são inúteis...
O nome "Porfírio Diáz" faz alusão a um dos generais da revolução mexicana, oposto a Pancho Villa. Glauber, no filme, misturou nomes de língua portuguesa com outros de língua espanhola, caracterizando "Terra em Transe" como um filme continental, com todos os problemas comuns às
Américas Latinas. O acento em Diáz foi colocado pois foi assim pronunciado por todos os personagens por dar mais força ao nome. Glauber escrevia os textos tendo na cabeça as conotações das vozes de seus atores, e no caso de Jardel Filho, com sua voz privilegiada, as palavras ganhavam mais força, fluíam de forma trágica e impressionante.
Paulo: - Mas eu recuso a certeza, a lógica, o equilíbrio! Eu prefiro a loucura de Porfírio Diáz!
Sara: - Assim é tão fácil...
Paulo: - Fácil... rompendo com tudo e com todos... sacrificando as mais fundas ambições...
Sara: - O que sabe você das ambições? Eu queria me casar, ter filhos, como qualquer outra mulher... eu fui lançada no coração do meu tempo. Eu lavantei nas praças meu primeiro cartaz. Eles vieram, fizeram fogo, amigos morreram... me prenderam... me deixaram muitos dias numa cela imunda... com ratos mortos... me deram choques elétricos, me seviciaram e me libertaram... com as marcas. E, mesmo assim, eu levei meu segundo, terceiro e sempre cartazes e panfletos e nunca por orgulho. Era uma coisa maior, em nome da lógica de meus sentimentos. E se foram as ambições normais de uma mulher normal. De que outra ambição posso falar que não seja de felicidade? Tendo pessoas solidárias e felizes?
Paulo: - A fome do absoluto...
Sara: - A fome...
Paulo: - Eu tenho esta fome! Vem comigo, Sara! Não fique como os fanáticos, à espera das coisas que não acontecem antes que nos acabemos! Vem comigo! A vida está acima das horas que vivemos! A vida é uma aventura...
Sara: - Você não entende... um homem não pode se dividir assim... a política e a poesia são demais para um só homem... eu gostaria que você ficasse conosco. Volte a escrever.
Paulo: - Não anuncio cantos de paz
Nem me interessam as flores do estilo (ao fundo, trecho suave
Como por dia mil notícias amargas de Villa-Lobos)
Que definem o mundo em que vivo.
Ah, Sara... (beija-a)
Sara: - Não me causam os crepúsculos
A mesma dor da adolescência
Devolvo tranquila à paisagem
Os vômitos da experiência...
Paulo: - A poesia não tem sentido... palavras... as palavras são inúteis...
O nome "Porfírio Diáz" faz alusão a um dos generais da revolução mexicana, oposto a Pancho Villa. Glauber, no filme, misturou nomes de língua portuguesa com outros de língua espanhola, caracterizando "Terra em Transe" como um filme continental, com todos os problemas comuns às
Américas Latinas. O acento em Diáz foi colocado pois foi assim pronunciado por todos os personagens por dar mais força ao nome. Glauber escrevia os textos tendo na cabeça as conotações das vozes de seus atores, e no caso de Jardel Filho, com sua voz privilegiada, as palavras ganhavam mais força, fluíam de forma trágica e impressionante.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
NO FUNDÃO
No Fundão (*)
Após o azul da tarde
Logo anoitecia no Fundão.
A sombra chegava primeiro
e nos envolvia nas tardes de inverno.
O som vinha do britador,
das explosões na pedreira.
À noite, quando chovia,
a sinfonia dos sapos se fazia ouvir.
Em junho, balões
se misturavam às estrelas,
que ainda estão aí nos observando,
apesar da poluição.
Os bailes do Vila Atlântica,
as namoradas,
os bêbados na padaria Nova Era,
no Bar Madeira, no Empório São Judas Tadeu.
Os parques de diversões,
onde oferecíamos canções a moças bonitas.
Em março de 1956, a tragédia.
A avalanche derrubou casas e matou muita gente pobre.
Hoje olhamos o Fundão e as recordações doem.
O tempo levou muitos,
deixou outros tão mudados.
Alguns, nem tanto.
Só a saudade é sempre renovada.
(*) Fundão é como chamávamos o final da rua Carvalho de Mendonça,
onde começava o morro do Marapé. Ali existia a sede do Vila Atlântica F.C.,
a Pedreira Atlântica, durante uma época o Circo Teatro Irmãos Almeida, o parque de diversões do Coronel Arruda, o Gran Circo Prata. O nome "Fundão" é atribuído à autoria de Álvaro de Andrade (Né) possuidor de cerca de 300 fotografias tiradas de 1949 até os anos 1960.
Após o azul da tarde
Logo anoitecia no Fundão.
A sombra chegava primeiro
e nos envolvia nas tardes de inverno.
O som vinha do britador,
das explosões na pedreira.
À noite, quando chovia,
a sinfonia dos sapos se fazia ouvir.
Em junho, balões
se misturavam às estrelas,
que ainda estão aí nos observando,
apesar da poluição.
Os bailes do Vila Atlântica,
as namoradas,
os bêbados na padaria Nova Era,
no Bar Madeira, no Empório São Judas Tadeu.
Os parques de diversões,
onde oferecíamos canções a moças bonitas.
Em março de 1956, a tragédia.
A avalanche derrubou casas e matou muita gente pobre.
Hoje olhamos o Fundão e as recordações doem.
O tempo levou muitos,
deixou outros tão mudados.
Alguns, nem tanto.
Só a saudade é sempre renovada.
(*) Fundão é como chamávamos o final da rua Carvalho de Mendonça,
onde começava o morro do Marapé. Ali existia a sede do Vila Atlântica F.C.,
a Pedreira Atlântica, durante uma época o Circo Teatro Irmãos Almeida, o parque de diversões do Coronel Arruda, o Gran Circo Prata. O nome "Fundão" é atribuído à autoria de Álvaro de Andrade (Né) possuidor de cerca de 300 fotografias tiradas de 1949 até os anos 1960.
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